sexta-feira, 17 de julho de 2009

Berengaria

Talvez seja por causa de "New Year Storm" de um inglês chamado Clark. Talvez. Também pode ser porque é sexta-feira à noite e não há nada para fazer em Londres. Talvez. Excesso de bebida. Demasiada droga. Também. Ou se calhar por pura maldade. Mas também não é importante. O que interessa é que, a certa altura da madrugada, numa das cabines do Allure, alguém diz algo como Apetece-me bater em pretos. Silêncio. Ou monhés. Sorrisos. Objecções: O Leon é preto. E o Ali é monhé. Sim, mas esses não contam, o Leon conduz um Jaguar e o Ali tem metade de todo o alumínio do mundo. Pois. Quero dizer os outros, marginais, drogados, esses. Mas nós também somos um bando de drogados. Meu caro, tu tens um Aston Martin estacionado lá fora e o teu relógio dá para comprar um pequeno país africano, estás a perceber? Tudo bem. Uma francesa chamada Yelle canta uma canção chamada "À cause des garçons" quando deixamos o espaço retro-futurista maximalista perto de Hoxton Square. Por qualquer razão, um de nós tem um bastão de basebol na mala do Bentley Continental GT e aparecem armas de todos os lados. Qual a vantagem de ser um drogado rico? Ter um dealer capaz de satisfazer as nossas necessidades, naturalmente. Quais Cavaleiros do Apocalipse, vestidos de Dolce & Gabbana e Tom Ford, a beber vodka russo de garrafas de prata do século 18, percorremos a cidade. Ouvimos grime e parecemos alheados. Após algumas voltas, atraímos atenção suficiente para sermos tomados como alvos. Começa a festa. O Jamie e o Piercarlo atropelam um negro enorme vestido de dourado com o Mercedes ML 500. O tipo é projectado pelo ar e fica estatelado no meio da estrada. Não acontece nada. O Mercedes volta a passar por cima do tipo, com um solavanco seco. Só para terminar, marcha-atrás, novo solavanco. O Piercarlo dá uma passa no Marlboro e deixa-o cair em cima do tipo. Seguimos. Daí a pouco, parados à beira de uma rua, somos abordados por um outro tipo que nos quer impingir uma droga qualquer, obviamente de má qualidade. Recebe uma bastonada no crânio que o deixa imóvel. Vigarista, diz alguém. Não interessa porque a seguir uma garrafa de vodka é desfeita em mil pedaços que se espalham pelo ar, reflectindo as luzes dos néons, e é enterrada no rosto de um puta qualquer que por ali aparece aos gritos. Fumo um Dunhill, com as mãos cheias de sangue e volto a pegar no bastão, acertando numa forma humana que se materializa à minha frente vinda de lado nenhum. De dentro do jipe, chega o som de uma música chamada "Divebomb" de uns tipos ingleses com o nome de The Whip. Parece-me adequado. Correntes, soqueiras e outras formas de armamento muito arcaicas fazem a sua aparição. A cena é bela, há carne, há suor, há sangue, há clamor, há boas roupas, há boas maneiras. E isso é tudo o que importa. O Jamier grita Matem-me estes filhos-da-puta e nós obedecemos, afinal é para isso que servem os amigos. A Francesca liga o Mercedes e aponta a dois tipos de turbante que estão encostados a uma parede, já cheios de sangue. A grelha frontal cromada do ML500 faz o resto. Faço-lhe uma vénia e ela agradece, com um sorriso. O Piercarlo ri muito alto, com os olhos injectados de sangue. Tem o fato Gucci amarrotado e cheio de sangue. Mas consegue ter bom aspecto. Aparecem mais dois tipos pretos que olham para aquele cenário e desatam aos berros. Olhamos uns para os outros, encolhemos os ombros e desatamos a correr como se estivessemos possuídos por um demónio de muito boas famílias. O jipe descola da parede e dos restos dos turbantes, com os pneus a chiar no alcatrão e aponta para o lado oposto da rua. Quando amanhece, estou a beber chocolate quente na varanda com vista para o Tâmisa, enrolado num roupão Calvin Klein de algodão branco. Lá dentro, os Supreme Beings Of Leisure cantam The Angel In Your Head e eu sorrio. Estou cansado, dorido, ainda tenso, mas assim é a vida. O Leon chega mais logo de Nova Iorque com a namorada sueca.

Sem comentários:

Enviar um comentário